Quem matou o cinema de rua?

Por Maurício Kus - mkus@uol.com.br

Esta é uma charada que nem Sherlock Holmes conseguiria decifrar. São tantas as causas que acabaram com o cinema de rua, que um cirurgião diria que o paciente morreu de infecção generalizada.

Há os que pregam que o carro acabou com o habito de ir ao cinema com mais frequência.  Quando Juscelino Kubistchek instalou a indústria automobilística e os primeiros Volkswagen e DKW começaram a aparecer nas garagens da classe média, as pessoas descobriram alternativas para o entretenimento, além do cinema. As famílias passaram a admirar os encantos das cidades da Grande São Paulo, faziam passeios de carro, almoçavam fora, visitavam mais os parentes e amigos (nem que fosse para exibir o carro novo) e as bilheterias foram definhando.

Outros afirmavam que a televisão matou o cinema, principalmente o cinema nacional.  Exibindo filmes dublados, conquistava uma grande maioria de não alfabetizados ou semialfabetizados que tinham dificuldades em acompanhar as legendas, enquanto os diálogos se desenvolviam.  Porém, o maior prejuízo que a televisão trouxe ao cinema, foi justamente para o filme brasileiro. Contratando os grandes astros do cinema e lançando programas de shows e variedades com o mesmo desenvolvimento humorístico das tradicionais chanchadas do cinema nacional da época, a televisão fez os cinemeiros migrarem para a televisão, deixando de ir ao cinema.  A chanchada acabou e a Atlântida, do produtor e exibidor Luiz Severiano Ribeiro, submergiu naquele chafariz que era a sua marca registrada.

Lançamento do filme nacional Angela (1951) no cine Marabá














Mazzaropi resistiu com firmeza ao canto da sereia da televisão e continuou produzindo seus próprios filmes, que eram sucesso de bilheteria.  Todo dia 25 de janeiro lançava o filme do ano e recusava convites para entrevistas de televisão nos talk shows da época. Dizia: “Porque vou dar de graça, o que o público paga para ver nos cinemas?”. Morreu milionário, seus herdeiros delapidaram sua fortuna, seu acervo de filmes sumiu, mas permanece como um ícone do cinema brasileiro.  Se o México tem Cantinflas; a Itália, Totó; a França Jacques Tati; a Inglaterra, Mr. Beans, cultuados pelo público e pela crítica, porque nossos críticos são tão esnobes? Nunca reconheceram e não reconhecem até hoje, o valor de Mazzaropi, negando o destaque merecido no cinema nacional.  Será porque fazia filmes para as classes D e E, as mesmas cobiçadas hoje por dez entre dez proprietários de supermercados?

Luiz Severiano Ribeiro fez uma adaptação do bordão do mercado americano “Cinema é a melhor diversão”, mas não colou, as bilheterias rodavam ladeira abaixo e os cinemas de rua, nos bairros, iam fechando.

Outro argumento poderoso que matou os cinemas de rua foi a segurança.  As pessoas começaram a ficar com medo de sair à rua, à noite.   Mesmo indo de carro, havia o problema de estacionamento, que os shoppings resolveram, abrigando cinema, espectador e carro sob o mesmo teto. Tradução, mais cinemas de rua fechando.

Depois vieram, a especulação imobiliária, a pirataria, as igrejas evangélicas e a fase Cinemark, com cinemas tipo stadium, que devolveram a alegria de ir ao cinema. Introduziu-se a pipoca combo, Coca Cola, lanchonete, poltronas confortáveis, ar condicionado, projeção e som perfeitos e outras benesses que fizeram o cinema voltar a ser programa, inclusive poltronas numeradas e compra de ingressos pela internet, sem fila.

O público encolheu e os preços subiram, mas o cinema nunca vai morrer.  Seus métodos de comercialização, marketing e merchandising evoluem constantemente, seja exibição em TV aberta, TV paga, licenciamento de produtos de consumo, Blu-ray’s, DVD’s ou CD’s.
Porém, para movimentar todo este universo de rentabilidade, tem que haver o filme.  Sem o set de filmagem, sem produzir um filme, nada disto acontece, nem que surjam outras mil formas de exibição e comercialização. Por isso, uma boa história, um roteiro bem feito, um bom diretor e um elenco de talento ainda são a melhor diversão, enfatizando a frase espalhada por Luiz Severiano Ribeiro.

Os cinemas de rua tinham particularidades interessantes.  O Brás, como era um bairro de maior densidade demográfica, tinha maior número de salas. O Universo e o Piratininga tinham acima de 3.000 lugares cada, e como ar condicionado era um luxo, o Universo tinha o teto retrátil que abria nas noites de calor. Além destes dois, o Brás contabilizava o Roxy e o Colombo. Este último terminou de forma trágica. Numa matinê de domingo, durante um combate aéreo na tela, alguém gritou “Fogo!”.  O cinema tinha cerca de 500 pessoas que se levantaram em pânico, houve pisoteamentos, resultando em quase 300 feridos e mais de 100 mortos. Não tinha fogo nenhum, só tristeza, lágrimas e uma cidade traumatizada.

Cine Universo
Claraboia no cine Universo

































No bairro da Liberdade existiam três cinemas, Niterói, da Toei; o Nippon, da Shoshiku e o Nikatsu que exibiam as mais recentes produções japonesas dos estúdios que levavam o nome do cinema.

Cine Nippon

Cine Niterói

































Os “cinemas poeira” ficavam no centro velho de São Paulo.  Eram o Alhambra, Cairo, São Bento, Santa Helena e Pedro II, que exibiam filmes em programa duplo desde as 10 horas da manhã. Contrariamente aos outros cinemas, suas piores bilheterias eram no sábado e domingo, quando os escritórios e o comércio fechavam. Seus frequentadores eram office boys, oficiais de justiça, vendedores, pessoal dos escritórios que davam uma esticadinha no horário do almoço, e colegiais de uniforme e pasta de livros na mão, que cabulavam a aula. Passavam filmes de muita ação, cuja duração não passava de 80 minutos, em sua maioria westerns, estrelados por Tom Mix, Gene Autry, Roy Rogers, Hopalong Cassidy e os grandes astros Joel McCrea e Randolph Scott.  Muitos juravam que os dois machões dos bang bang eram amantes, mas naquele tempo o segredo de ser gay era mais bem guardado que a fórmula da Coca Cola.

Cine Alhambra
Cine São Bento
Alguns cinemas de rua permanecem, mas adotam nomes de empresas patrocinadoras para suportar os elevados custos de aluguéis ou preservar o espaço da cobiça das incorporadoras que adorariam vê-los transformados em espigões. Os principais são: Espaço Itaú de Cinema Augusta (antes, Majestic), o CineSesc (antes, Orly), o Cine Sabesp (antes, Fiammetta) e o futuro Cine CAIXA Belas Artes (antes, Trianon). Outros foram transformados em teatro, como o Gazeta, o Bijou e o Paramount.

O cine Astor (que bom!), no Conjunto Nacional, hoje é a mega Livraria Cultura, que tem até um teatro funcionando regularmente, em meio a milhares de livros.

O tradicional cine Windsor fechou recentemente e virou igreja. O Jussara (depois Dom José) é forçado a adotar uma programação “adulta” para não fechar, mas há comentários no mercado, que o proprietário pretende uma revitalização da sala, voltando à programação normal, como sua contribuição para a reabilitação da velha Cinelândia paulistana.

Cine Dom Jose (2009)

Cine Dom José na Virada Cultural (2010)


































O Cine Metro, o primeiro a ter ar condicionado do Brasil, hoje é a sede de uma igreja evangélica que ocupa o vizinho cine Oásis como estúdio para a elaboração e gravação dos programas.

Em 1942, numa época em que os filmes ficavam entre duas a três semanas em exibição, o cine Trianon (onde hoje é o Belas Artes), exibiu por um ano o filme “Sempre em meu coração”, estrelado por Kay Francis, cantora de muito sucesso nos Estados Unidos, onde brilhava no teatro, rádio e cinema. Fez mais de 50 filmes, mas o sucesso brasileiro foi  um acontecimento inesperado para os estúdios de Hollywood.

O cine Arlequim funcionou como auditório da Rede Bandeirantes, mas hoje é uma igreja evangélica. A maioria dos cinemas de rua foi demolida e hoje não se reconhece sua localização exata, cercados de altos edifícios de escritório ou residenciais. Alguns como o Rio Branco, que tinha exibição em 70 mm e exibia os blockbusters da época,  viraram estacionamento.

O Marrocos, o mais luxuoso cinema de São Paulo, sede do Festival Internacional de Cinema no IV Centenário de São Paulo, exigia uso de gravata de seus espectadores.  Lembro que um dos porteiros “alugava” as gravatas para quem estivesse só de paletó, as mantendo guardadas na chapelaria. Sim, o Marrocos tinha chapelaria. Seu proprietário Lucydio Ceravolo, foi um dos últimos gentlemen de sua época.

Cine Marrocos















Tivemos dois cinemas especiais: o Comodoro Cinerama que exibia filmes através de três projetores que funcionavam simultaneamente, dando uma impressão de terceira dimensão numa tela gigantesca e o Cinespacial, um cinema circular com três telas exibindo o mesmo filme, e com visão boa de qualquer lugar.

 
Vídeo do processo Cinerama de exibição

O Nacional, na Lapa, depois virou casa de shows e mantinha nos andares superiores do prédio os escritórios da Cia. Cinematográfica Serrador.

Como esquecer o meu primeiro cinema?     

Bons tempos aqueles, em que eu, aos doze anos de idade, saía do cine Lux, dez e meia da noite, andava a pé pela Rua José Paulino e atravessava (incólume) o que hoje é a cracolândia e chegava em casa, tratando de dormir logo, pois no dia seguinte tinha aula cedinho da manhã...

Mauricio Kus













Um dos pioneiros na divulgação e publicidade de filmes em São Paulo, iniciou sua carreira em 1949, como crítico da revista “O Reflexo”. 
Foi um dos organizadores da I Exposição Internacional de Historia em Quadrinhos, realizada em São Paulo em 1951. 
Fez a divulgação de centenas de filmes, nacionais e estrangeiros, em 30 anos de atividades cinematográficas, incluindo “O Pagador de Promessas”, único filme brasileiro premiado com a Palma de Ouro em Cannes.
Cobriu, como jornalista, o Festival Internacional de Cinema do IV Centenário em 1954, e o Festival Internacional de Freeport, Bahamas, organizado pela Warner Bros
Frequentou os festivais de Gramado, Teresópolis, Cannes, Veneza e Rio de Janeiro. Assistiu, em Los Angeles, a entrega do Prêmio Oscar em 1976
Foi anfitrião de artistas como Kirk Douglas, William Wyler, Kim Novak, Sylvia Kristel, Maria Schneider, Louis Malle, Topol, as Bond Girls, os irmãos Broccoli (produtores da franquia 007), Debbie Reynolds, Roman Polansky, Cliff Robertson, Sammy Davis Jr., Joan Crawford, Telly Savalas e muitos outros.

O LANTERNINHA

ACESSE O BANCO DE DADOS


BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.